Projeto desenvolvido no Centro de Detenção Provisória da Serra estimula reflexão sobre violência de gênero
Fomentar o diálogo e a reflexão a respeito da violência contra a mulher. Esse é ponto focal do projeto Sentinelas realizado no Centro de Detenção Provisória da Serra (CDPS) com detidos em razão da Lei Maria da Penha e feminicídio. Desenvolvido desde abril, o projeto trabalha oficinas narrativas audiovisuais a partir de técnicas de roteiro, fotografia, captação de áudio e edição para romper barreiras como o machismo e estimular a mudança de comportamento.
A documentarista Eliza Capai, uma das idealizadoras do projeto parceiro da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), ressalta que a iniciativa faz com que os internos consigam se ver de fora, se repensem e analisem as bases comportamentais que os levaram à prática do delito. “Grande parte dos detentos não entendem por que estão presos, já vem de um ciclo de violência praticado pelo pai com sua companheira, avós, vizinhos e não conhecem a Lei Maria da Penha. Sabemos que não vamos transformar uma cultura de violência em cinco meses, isso seria uma utopia, mas a gente espera que com os debates das aulas realizadas com o audiovisual, com as histórias dos filmes e a estrutura da própria história, eles consigam se ver como personagem da própria vida e não como seres passivos diante do problema”, destaca.
Capai ressalta também que a oficina tem sido um espaço de aprendizado muito grande. “São sementes que estão sendo plantadas e que, de alguma forma, vão gerar uma reflexão e mudança de comportamento lá na frente. Isso é parte de um processo muito mais amplo, de dividir essas reflexões com os amigos, os filhos e a família. Entendemos que o problema ultrapassa o individual e por isso devemos pensar em soluções coletivas. Isso passa pela reflexão, por entender a própria história e pelo afeto. Essas pessoas foram privadas disso desde cedo, privadas de afeto desde sempre, aprenderam que as relações mais próximas se baseiam na violência. E para vencer a violência não é com mais violência”, explica.
As aulas são desenvolvidas duas vezes por semana, baseadas no aprendizado e conceitos básicos de ótica, câmera e som para familiarizar os reeducandos com os equipamentos de filmagem, fotografia e a análise de filmes e videoclipes a fim de conciliar esse aprendizado com a valorização da mulher. Atualmente, nove detentos participam do projeto.
Alexsandro Rodrigues da Cruz, 27 anos, está preso no CDPS há dois anos e meio. Ele, que trabalhava com a venda de cestas básicas, também viu no projeto uma nova afinidade e futura oportunidade de trabalho. Com uma máquina fotográfica nas mãos, ele também pratica técnicas desenvolvidas nas oficinas de fotografia durante as aulas do projeto.
“Desde o início, me senti abraçado pelo projeto. Todo esse trabalho tem ajudado muito na minha nova forma de pensar sobre a vida e como tratar uma mulher. Acho que faria 50% do meu passado diferente com todo esse aprendizado. Também aprendi a fotografar e essa atividade pode se tornar uma oportunidade de trabalho para mim quando sair daqui. Minha passagem pelo presídio tem sido uma escola. Aprendi muitas coisas sobre a vida e, até mesmo, a me relacionar melhor com as pessoas”, diz Rodrigues.
Estímulo à transformação social
A subsecretária de Ressocialização da Sejus, Roberta Ferraz, ressalta a importância do projeto para a transformação dos presos que praticaram violência de gênero. “Vemos o projeto como uma forma de mudança de comportamento, de desconstrução de conceitos antes tidos como verdadeiros. Estamos estudando a viabilidade de levar o projeto para outros centros de detenção provisória que fazem a custódia de presos que cometeram crimes como o feminicídio e violência doméstica. Vemos o conteúdo trabalhado no projeto como um forte aliado dessa transformação social”, diz Ferraz.
Para o diretor do CDPS, Claudio Nienke, o projeto tem contribuído para o melhor comportamento e disciplina dos internos na unidade prisional. “A proposta do projeto tem auxiliado de forma significativa na relação entre os presos e servidores do CDPS e, mais que isso. Também é uma maneira de mostrar para a sociedade o trabalho humanizado que desenvolvemos no sistema prisional, já que os executores do projeto são pessoas que nunca tiveram acesso ao presídio e puderam conhecer e acreditar no trabalho que desenvolvemos”, ressalta Nienke.
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